Falar da filosofia da produção artística de Lacerdine é de extrema importância para entender um mecanismo interno e um fator motivador que o impulsiona a todo tempo. Essa perspetiva orienta a existência do artista para um ofício de leitura e de interpretação da realidade que, quase sempre, vai gerar uma obra e ou exposição conceitual. Desse modo, sua produção está diretamente ligada às grandes questões de direitos humanos que perpassam as humanidades: luta por igualdade, questões socioambientais, aceitação e respeito da alteridade em suas diversas formas e sentidos.
Os processos de concepção e de criação de uma obra de arte envolvem vários elementos importantes na vida de um artista e podem variar de acordo com sua personalidade e sua visão de mundo. Como o ser humano em sua estruturação vital é sempre dinâmico e passível de modificações, tanto personalidade quanto visão de mundo podem ser expandidas ou regredidas, dependendo das relações de alteridade experimentadas ao longo da vida. Isso acontece porque, de um modo misterioso, os seres, em relação uns com os outros e com o meio ambiente, afetam-se em um contínuo processo de mutações internas, dominado pelas emoções e pela razão. Esse processo é, na verdade, a maravilhosa reação de uma existência particular à força evolutiva da existência universal.
Mas é claro que, no transcorrer dessa força evolutiva, acidentes podem acontecer e nem sempre o ser humano se expandirá, podendo, até mesmo, regredir em sua essência vital. Exemplo disso é a pessoa submetida à violência. Em reação à perplexidade do gesto, razão e emoções são brutalmente afetadas e entram em uma espécie de colapso. O momento seguinte ao gesto violento é a busca de reorganização vital para entender e, ao mesmo tempo, se defender dessa realidade que pode ferir e até matar. Os atos de violência (desrespeito, racismos, machismos, intolerâncias, ceticismos etc.) não afetam negativamente somente indivíduos vítimas do gesto, mas afetam também o processo evolutivo da existência universal. Em outras palavras, o mundo fica cada vez pior quando a violência avança.
Em contrapartida, a potência dinâmica dos seres é tão fantástica que, se esse mesmo humano, outrora submetido à violência, experimentar relações de amor e de cuidado na continuidade do seu existir, retomará novamente sua expansão existencial nas relações que curam e salvam as marcas do passado. O movimento evolutivo da alteridade é capaz de reconstruir essências e existências degradadas, e mais, reorientar o mundo para o caminho da paz, do amor e do respeito para com as diversidades nos ambientes em que vivemos. Tudo o que falamos e vivemos tem impacto na vida de outros humanos viventes pelo mundo.
Nesse sentido, podemos afirmar, com segurança, que somos impreterivelmente seres dinâmicos e de relações, que dependemos uns dos outros no construto da felicidade e que somos responsáveis pela manutenção da qualidade da vida ao longo do tempo.
É sabido que a maioria de nós tem conhecimento de todas essas coisas e experimenta essas inter-relações dia após dia, contudo, ter consciência do impacto que cada um exerce sobre o universo é um processo de aprendizagem de si que converge para a abertura para o outro.
Quando essa questão aparece como prioridade em nossas vidas, há uma decisão consciente de viver a empatia como filosofia e meta de vida para que essa mesma vida não seja degradada pela distração, nem pelas relações de violência. A empatia, capacidade afetiva de nos colocarmos no lugar de outra pessoa e buscar entendê-la em suas diferenças, é a chave para uma vida mais humanizada em meio ao turbilhão das necessidades individuais de cada dia.
E o mais encantador disso é que o exercício da empatia tem conexão com a maturação do ser humano e com os processos vitais experienciados ao longo de sua historia e assimilados pelo seu saber afetivo das coisas. Essa assimilação afetiva é particular para cada individuo, mas é sabido que uma educação pautada em princípios de respeito, de amor e de cuidado à alteridade tem efeitos mais eficazes no desenvolvimento humano. Educar na empatia é, ao mesmo tempo, educar para as relações de amor e de cuidado e exercer ela mesma em seu processo de aplicação na educação. Não há como ser desrespeitoso e educar no respeito, como não há possibilidade de educar na empatia sendo antipático.
Fizemos toda essa volta reflexiva para chegarmos ao ponto de partida do fazer artístico de Lacerdine neste mundo diverso. Como artista inserido na realidade, ele tem a empatia como fator primevo de transformação e de criação artística.
Os artistas fazem parte do ínterim universal e, de um modo ou de outro, transformam a experiência do mundo em uma obra que se conectará com outros viventes, ávidos por sentido. Por esse motivo, não é raro ouvirmos dizer que os artistas têm sensibilidade em relação ao ambiente e que, por meio dela, são capazes de materializar ideias e emoções em obras de arte, conectando outras pessoas que vibram na mesma sintonia da arte criada.
Assim sendo, poderíamos dizer que os caminhos que conduzem a uma arte autêntica, dotada de sentido para si e para os outros, estão conectados à empatia e à alteridade para com as causas socioambientais e humanitárias, pulsando para serem ouvidas, transcendidas e transcritas pela arte. Lacerdine acredita firmemente que toda produção artística quer ser mecanismo de transformação de vidas e existências.