EXPOSIÇÃO

SAGRADO PRIMITIVO

O ser humano sempre encontrou na experiência espiritual uma forma necessária de existência, desde seu primórdio. A abertura transcendental nunca foi uma realidade periférica e tampouco uma opção. É bem verdade, variam as formas de se compreendê-la. Religio, religare significa estar ligado ao que está atrás, ser religioso quer dizer estar ligado a tradição e ao mistério. Não ao passado simplesmente, mas a um passado de pessoas que viram a necessidade de permanecerem unidas, ligadas. A experiência religiosa implica uma ligação com o transcendente, mas também, essencialmente, uma ligação entre pessoas.

Unir o que é sagrado ao que é primitivo, significa unir os vínculos entre seres humanos, e a intrínseca relação de cuidado que implicam, ao que há de essencial na humanidade, sua cultura. Colere quer dizer cultivar, cuidar, é essa a origem da palavra cultura. Um cuidado com o mundo e, como especifica as imagens de Geraldo Lacerdine, um cuidado com as pessoas, parte específica do mundo.

A arte sincrética aqui apresentada parte de uma concepção de que a religião ultrapassa a relação entre o indivíduo e Deus, e entende que essa realidade abarca o outro em sua pluralidade. A experiência religiosa implica a alteridade necessariamente.

As telas de Lacerdine e os textos de André Araújo, sugerem ao público esse conhecimento, o de que no mundo existe um universo cultural plural, que deve incluir como atitude a aceitação das diferentes etnias, ultrapassando as classes, os gêneros e as raças e, com isso, nos chamam a atenção para o que existe de mais sagrado: o humano.

A pesquisa iconográfica que resultou nestas telas reúne moradores de rua, idosos, pessoas simples que usam colares, que se enfeitam com flores. Que faze essa gente com asas e aureolas? Que ousadia é essa de mesclar realidades, descentrar nosso olhar europeu e pintar a Cidade de Deus com a diversidade? Ao provocar o enlevo dessa maneira, o artista nos ensina que a verdadeira experiência religiosa está no vínculo e na aceitação do outro como parte de nós mesmos.

Ao mesmo tempo que desloca a espiritualidade dos templos para as ruas, nos obriga a pensar as minorias sociais através da reflexão que somente a arte pode propiciar. Independente do letramento, dos conhecimentos filosóficos, sociológicos ou teológicos todos podem sentir na beleza das formas a mensagem espiritual atrelada às margaridas e pinturas corporais, que nos remetem à expressividade cultural, mas também às figuras santas de dona Hermínea, da mãe negra, da Virgem Maria indígena, que nos convidam à serenidade e nos confortam.

Diante dessas obras somos convidados a aceitar o humano em sua multiplicidade e, com isso, cumpre-se uma missão apostólica, a de que ao alimentarmos nosso espírito com a arte somos impelidos à contemplação e a aceitação do humano, com isso, em alguma medida, somos convidados a dar novo sentido à experiência religiosa e a resignificar nosso olhar.

INTRODUÇÃO SOBRE A MOSTRA

Somos seres espirituais vivendo uma aventura humana. Habitamos o mundo, possuímos um corpo e, com ele, nos relacionamos e interagimos com os outros e com os ambientes em que estamos. Somos afetados todo o tempo por uma infinidade de estímulos e respondemos a eles, afetivamente também, manifestando sentimentos e percepções, ordenados ou não na medida do nosso possível.

Nesse sentido, notamos que nossa vida espiritual não avança por meio de rupturas ou de saltos bruscos, ao contrário, ela se parece mais a um itinerário sinuoso, atravessado por toda sorte de elementos. Por isso, quando menos se espera, descobrimos que algo vai mudando no percurso e, consequentemente, dentro de nós: sentimo-nos provocados e somos despertados por gestos de bondade, de solidariedade, de compaixão. Essas atitudes constroem pontes e, em lugar de muros, unificam nossas experiências, porque integram caminhos e possibilitam acessos, conectam mundos e ampliam visões.

É assim que nossa sensibilidade vai expandindo nossa capacidade de habitar de maneira cuidadosa os espaços onde vivemos, nos movemos e existimos. Essas pontes geram vida e esperança, levam-nos a distintos lugares, alargam a perspectiva do nosso olhar. E, quando isso acontece, nos damos conta de que o Sagrado, presente no mundo, manifesta-se e se revela, aqui e além, sem determinações, surpreendendo nossas certezas e possibilidades.

Essa exposição pretende, com isso, provocar e tocar nosso ser mais profundo, o sagrado primitivo interior, e despertar nossos sentidos para a manifestação da Beleza existente na diversidade do mundo. Nesse lugar, não há espaço para preconceitos, discriminação ou julgamentos, há tão-somente a empatia do amor e o desejo e a necessidade de amar, vindos, com abundância, da parte do Absoluto Transcendente a que chamamos: Deus!

SOBRE OS AUTORES

Geraldo Lacerdine é artista plástico, reconhecido no ambiente cultural brasileiro e internacional, com produções e exposições de arte no Brasil, na Itália, na Polônia e nos Estados Unidos. Tem formação em Filosofia, com ênfase em arte; Teologia; além de um Mestrado em Gestão Comunicacional. Também realizou outros estudos em iconografia russa, arte contemporânea, teatro e psicanálise. Nascido em 1977, em Minas Gerais, na cidade de Pará de Minas, entende que a arte tem uma força transformadora. Seu trabalho sempre esteve relacionado a questões de caráter e relevância social, no embate contra a exclusão, o preconceito, a discriminação, a exploração cultural e intelectual.

André luís Araújo é Doutor em Letras: Estudos Literários, pela UFMG, com experiência na área de Letras, Filosofia e Teologia, com ênfase em Literatura e Outros Sistemas Semióticos e Estudos da Auteridade.

A EXPOSIÇÃO Sagrado Primitivo

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