O traço maternal da divindade é um tema que perpassa a história da arte em suas mais diversas culturas e manifestações míticas e religiosas. A figura de uma mãe que acolhe seus filhos nos braços está no imaginário de acolhimento na maioria das sociedades, independentemente de seus arquétipos e crenças. O fato é que a relação mãe e filho, tão abordada nas ciências humanas, mexe com o afeto das pessoas e as envia para um lugar de segurança e apoio emocional. Haja vista que, em momentos de dificuldades, o ser humano se remeta ao aconchego dos braços da mãe em sinal de que tudo passará com o tempo. A memória ancestral dá conforto e apazigua o espírito aflito com as adversidades.
A sacralidade dessa relação sempre foi eternizada na figura de Maria, considerada a mãe de toda a humanidade, por ter aceitado a missão de gerar e cuidar do filho de Deus, Jesus Cristo. A construção harmoniosa e afetuosa em torno da figura materna da virgem fez com que diversas versões de sua maternidade fossem criadas por meio de pinturas e esculturas, tornando, assim, essa figura universal e histórica, representada por diversos rostos, títulos e culturas. Teologicamente, a Mãe de Jesus tem estudos totalmente dedicados ao fenômeno religioso em torno de sua figura de amabilidade e são consequência de uma enorme devoção a Maria, pelo catolicismo e pela ortodoxia.
Na mostra Madonas: imagem da alteridade, o autor mergulha nas manifestações cristãs, católicas e ortodoxas, ao longo de mais de dois mil anos, e faz uma releitura afetuosa e espiritual de Maria e de seu Menino. A ideia principal é a criação de 15 novas obras com elementos fundamentais da cultura e da devoção tipicamente brasileiras para conectá-las à imensa tradição sacra das madonas já existentes. Lacerdine pretende destacar sua experiência profunda com o sagrado da Mãe de Jesus, compreendida como afeto, ternura e alteridade. Como o autor explica, alteridade porque ser um cristão autêntico, como Maria foi, requer essa abertura, o reconhecimento da individualidade dos outros, bem como a atitude de empatia, respeito e tolerância no reconhecimento de que existem pessoas e culturas singulares e subjetivas, que pensam, agem e entendem o mundo de suas próprias maneiras. Para além da religiosidade, a mostra é um convite aos braços afetuosos da mãe.